Aquele que possui o direito sobre alguma coisa tem o dever de cuidar de sua posse, de fazer bom uso dela e de protegê-la. Isso não pode ser negado, pois uma vez que algo pertence a alguém, nem mesmo Tuttan e Enmbarh podem tirar-lhe isto. Todavia, se dois ou mais gorilas dizem-se possuidores do direito sobre algo, deve-se aplicar esta lei, a lei do Combate de Enmbarh, senhora do mundo dos mortos e juíza das almas.
terça-feira, 17 de abril de 2012
O final do primeiro capítulo
Aquele que possui o direito sobre alguma coisa tem o dever de cuidar de sua posse, de fazer bom uso dela e de protegê-la. Isso não pode ser negado, pois uma vez que algo pertence a alguém, nem mesmo Tuttan e Enmbarh podem tirar-lhe isto. Todavia, se dois ou mais gorilas dizem-se possuidores do direito sobre algo, deve-se aplicar esta lei, a lei do Combate de Enmbarh, senhora do mundo dos mortos e juíza das almas.
sábado, 17 de setembro de 2011
Tuttan
segunda-feira, 12 de setembro de 2011
Ilustrações (III)
sábado, 27 de agosto de 2011
Seguindo com o primeiro capítulo
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Ilustrações (II)
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Mais ainda do primeiro capítulo
Após banho e refeição bem merecidos, Don-Kee sentou-se ao lado de sua fêmea na relva, do lado de fora da casa. Contou-lhe toda a conversa com Tsuin-Hou e Vermuhakhan e ela escutou atentamente, sem interromper. Quando terminou o relato, ele se deitou de costas na grama, a contemplar as estrelas e percebeu que Enmbarh não estava cheia no céu. Repreendeu-se pelo descuido de olhar para cima sem antes averiguar a fase da lua, pois olhar diretamente para a deusa da morte, estando ela nessas condições, era considerado profano. Passou a apreciar a brisa e a pálida luz das estrelas, tentando não pensar em nada, quando Shigg falou:
- Don-Kee, se nosso Líder e o supremo sacerdote tem certeza do que disseram, você não tem com o que se preocupar. Fico feliz que tenha respondido a eles o que respondeu e não vejo outra forma de proceder. É claro, não entendo nada dos grandes assuntos de estado, muito menos das tradições, mas não me parece que haja algo errado.
- Então por que essa sensação ruim não me sai do coração? - ele perguntou. - Da mesma forma que Vermuhakhan estava certo de agir corretamente, eu também tenho certeza de estar agindo de forma errada.
- Meu querido macho, você está apenas muito cansado - disse ternamente a fêmea. - Tantos dias no meio de tão perigosas batalhas, tendo que se preocupar com seus homens e com o futuro da tribo podem cansar até mesmo você, o mais forte dos gorilas! Não se preocupe tanto por agora. Acho que, depois de uma noite de sono, as ideias estarão mais claras em sua mente e seu julgamento será mais acertado!
- Nisso você tem razão - respondeu Don-Kee. - Tenho muita sorte de ter você como minha companheira! Venha, vamos dormir. Amanhã será um dia importante não só para mim, mas para todos os de nossa raça, estejam meu pai e Tsuin-Hou certos ou errados em sua decisão.
E, erguendo-se de um salto, puxou a fêmea para seu colo e entrou na casa.
Pouco antes do alvorecer, Don-Kee despertou. Tomando cuidado para que Shigg não acordasse, deslizou para fora da cama, vestiu-se apressadamente e dirigiu-se à casa do Líder. Novamente foi saudado pelas anciãs, que mantinham-se firmes em seu posto, porém em menor número devido a divisão de turnos que haviam estabelecido. O guarda na porta da casa era outro, mas saudou seu general e abriu-lhe passagem, sem dizer nada. O interior da casa estava levemente iluminado pelas primeiras e frias luzes de Tuttan e as plantas no jardim estavam cobertas de orvalho. Don-Kee viu que uma lamparina estava acesa no interior dos aposentos de Vermuhakhan, portanto bateu na porta e esperou.
- Entre! - Disse uma voz vinda de dentro do quarto.
Tsuin-Hou e o Líder estavam sentados em confortáveis poltronas acolchoadas ao lado da cama. Sentado, Vermuhakhan ficava bastante encurvado, o que o fazia parecer ainda mais velho.
- Sente-se, meu filho. - Ele disse, apontando para um banco. Don-Kee obedeceu.
- Aqui estou, pai, para receber sua bênção. - Ele respondeu.
- Antes disso, Don-Kee - disse Tsuin-Hou - precisamos acertar algumas coisas que faltaram ser ditas ontem.
Vermuhakhan mexeu-se no assento e resmungou. Tsuin-Hou olhou para ele rapidamente, como se o censurasse e continuou:
- Você precisará manter segredo sobre esse assunto, meu filho. Além de sua fêmea, há mais alguém para quem você tenha contado o que decidimos?
- Não, senhor. - respondeu o jovem. - Mas por que é necessário o sigilo?
- Bem, Don-Kee. Nós sabemos que a decisão de adiantar a sua partida é o mais acertado a ser feito. Mas e quando ao resto da tribo? Alguns maus elementos podem incitar o povo a ignorar a lógica que usamos e tirar proveito disso, condenando-nos por irmos contra a lei que diz que o Escolhido deve partir apenas após a morte do antigo Líder.
- Mas quem seria capaz de duvidar do julgamento de vocês? Quem poderia ser tão desprezível a esse ponto?
- Você realmente não sabe quem seria tão baixo a ponto de agir assim? - perguntou Vermuhakhan.
- Bem - respondeu o jovem - apenas um nome me vem à mente. Mokua.
- Sua intuição o serve bem novamente, meu filho. - disse Tsuin-Hou. - Não se esqueça que Mokua o inveja desde quando eram filhotes. Além disso, ele vem de uma família de muitas posses... E é o segundo sacerdote da tribo. Sua influência é bastante grande, embora não seja muito querido pelo povo.
- Mas então o que faremos? - perguntou Don-Kee. - Será que isso tudo não é prova de que estamos agindo errado, ao passar por cima da lei do isol...
- Don-Kee, de uma vez por todas, não estamos passando por cima de nada! - exaltou-se Vermuhakhan. - Quando você regressar do seu período de ausência da tribo, sentirá dentro de você a graça que Tuttan concede ao líder, para que governe! Espero que se arrependa, então, de ter duvidado de seu Líder e pai!
- Me perdoe, pai. Me perdoe, meu Líder - respondeu Don-Kee, sentindo-se o pior macaco do mundo. - Essa não foi a minha intenção, jamais quis duvidar de você. Eu apenas...
- Bem, se é assim, não devemos perder mais tempo. - Interrompeu Tsuin-Hou. - Você precisa partir ainda hoje, antes do meio-dia, para que possa regressar com Tuttan no centro do céu, completando o isolamento como mandam as antigas leis.
- Venha para perto de mim, meu filho - pediu Vermuhakhan.
Don-Kee ajoelhou-se ao lado do pai, segurando sua mão direita entre as suas. Olhou para ele nos olhos, tentando deixar transparecer todo o amor que sentia pelo velho gorila.
- Pai, eu...
- Você foi um bom filho para mim, Don-Kee. Parto deste mundo feliz e com a consciência tranquila, por ter criado um gorila tão bom, generoso e cumpridor do dever, que pensa no bem estar dos outros antes de pensar em si. Você será um Líder melhor do que eu fui. Vá em paz e que Tuttan te abençoe com todas as dádivas que um macaco possa merecer.
O velho abraçou seu filho que, emocionado, rompeu em lágrimas silenciosas. Don-Kee não queria que aquele momento acabasse. Sabia que era a última vez em que veria seu pai e já lhe doía no peito a saudade antecipada. Com esforço, lutou contra o desejo de que aquele abraço não terminasse nunca e levantou-se, enxugando as lágrimas:
- Adeus, meu pai. Não tenho palavras para agradecer tudo o que fez por mim. Sem você, eu não seria nada do que sou. Tenho orgulho de ser seu filho!
Vermuhakhan sorriu e fechou os olhos. Tsuin-Hou aproveitou o momento e disse:
- Bem... Normalmente, sua bênção de partida seria dada diante de toda a tribo, na praça central, mas devido às circunstâncias as quais nos encontramos, vire-se para mim, ajoelhe-se sobre o joelho direito e abaixe a cabeça, Don-Kee. - O velho tirou um pergaminho da manga, desenrolou-o e leu: - Ó Tuttan, criador de tudo o que vive, aquele que fez Baan-Thô do barro, logo após ter feito o primeiro homem da mesma matéria, conceda a sua bênção plena à Don-Kee, que parte neste momento afim de receber todas as graças necessárias para liderar a tribo dos gorilas. Conceda-lhe luz para perceber as dádivas que tu lhe proporcionar, força para agir sempre em teu nome, humildade para reconhecer-se soberano abaixo de ti, generosidade ao transmitir teus dons aos outros, intrepidez para combater tudo o que ameaçar o teu poder e longevidade, para que te sirva por muitos anos. Que assim seja feito, sob teu céu."
O sacerdote fez um gesto, indicando que Don-Kee deveria se levantar. Guardou o pergaminho e olhou-o nos olhos:
- A partir de agora você está proibido de proferir qualquer palavra até o momento de seu regresso, daqui a trinta dias, quando Tuttan estiver a pino. Você deve partir sem falar com mais ninguém, nem mesmo sua fêmea, mas eu posso entregar-lhe uma mensagem escrita por você, se assim o desejar.
Don-Kee fez que sim. Tsuin-Hou lhe entregou uma pena e um pedaço de pergaminho, onde o jovem escreveu algumas palavras à sua fêmea. O sacerdote então guardou o pergaminho na outra manga e disse para que ele ficasse tranquilo, pois falaria com Shigg sobre a necessidade de não comentar sobre essa história. Após uma breve despedida, o futuro Líder saiu com Tsuin-Hou do quarto e ambos seguiram em direção ao portão oeste, por onde Don-Kee deveria sair, para depois rumar ao sul, até a clareira sagrada, quase no limite de Tuttenbarh . Transcorrido o período do isolamento, ele voltaria a entrar na cidade pelo portão leste, que quase nunca era aberto, já que poucos vinham desta direção.
***
- Suma da minha frente, seu imprestável, antes que eu acabe com a sua raça!
O grito atravessou a porta em direção ao corredor do andar superior do palacete que dominava o campo de visão naquela parte da região norte da cidade. Um gorila assustado saiu correndo da sala e desapareceu escada abaixo. Alguns criados que passavam por ali se entreolharam, com uma expressão triste e resignada. Era o quinto naquele dia.
Mokua estava furioso. Nenhum de seus espiões conseguira, até agora, dar-lhe nenhuma informação concreta a respeito do motivo da convocação de Don-Kee por parte de Vermuhakhan. Ele não concebia a ideia de ficar sem saber o que acontecia em toda parte e já não sabia mais o que fazer para conseguir as informações que desejava. Do que adiantava ser um dos gorilas mais ricos e poderosos da tribo, se não tinha tudo o que queria?
Ilustrações (I)
terça-feira, 16 de agosto de 2011
A história dessa história
Mais um pouquinho do primeiro capítulo
Ele não era apenas famoso entre seus soldados, mas sua grande estatura e seu porte majestoso eram conhecidos por todos da tribo. A bem da verdade, ele era o maior gorila que já nascera em Tutenbarh. Muitos o comparavam à Baan-Thô, o lendário, aquele que segundo ditava a tradição, havia sido o primeiro macaco criado por Tuttan e quem distribuiu as habilidades e características de todas as raças. Realmente, Don-Kee era muito grande e forte, porém devido ao treinamento que recebera desde filhote, era também ágil e aprendera a não desperdiçar suas energias, pois sabia o quão demorado era repô-las.
Ao aproximar-se do portão à distância de uma flecha, viu que uma das divisórias do portão se abria. Esta era consideravelmente menor do que o portão principal e dela saiu um gorila, que veio lhe encontrar. Como ditava a sua posição, parou e esperou este se aproximar.
- General Don-Kee, é muito bom vê-lo novamente! - disse o outro. - Fico feliz do senhor chegar durante o meu turno de guarda!
- Capitão Hunghô, é bom vê-lo também. Como estão as coisas por aqui? - Respondeu Don-Kee.
- Bem, senhor, não tivemos muitas novidades desde que deixou a cidade. O racionamento de suprimentos ainda está em vigor, porém não chegamos a um estado crítico. A guilda dos armeiros continua a produção dia e noite e nossas fazendas ao leste e ao sul não encontraram nenhuma dificuldade ainda.
- E como está a saúde do velho Líder? - Don-Kee perguntou, ansiando pela resposta, porém demonstrando serenidade.
- Bem, Tsuin-Hou está sempre com ele. Isso poderia ser considerado como sinal de agravamento do estado de sua saúde, porém o que se diz por aí é que Vermuhakhan está na mesma. - Respondeu Hunghô, cuidando para que suas palavras não preocupassem Don-Kee além do necessário.
- Está bem. - respondeu ele. - Então, com sua permissão, gostaria de entrar logo e ir saudar meu velho pai adotivo.
- Sem sombra de dúvidas, senhor! - respondeu o capitão. - Se me permite, lhe acompanharei até o portão.
Acenando afirmativamente, Don-Kee adiantou-se em direção a entrada, seguido por Hunghô. Atravessar aqueles portões era sempre reconfortante e a volta ao lar causava-lhe sempre aquela sensação deliciosa de estar em casa. Ao passar pela entrada das guaritas, os guardas que estavam pelo caminho saudaram-no formalmente, juntando as patas traseiras e desapoiando as dianteiras do chão, levando a mão direita sobre o lado esquerdo o peito. Don-Kee não parou de andar, mas retribuiu a saudação. Ao cruzar a porta, despediu-se de Hunghô e seguiu para o centro da cidade, onde se encontrava a casa do Líder.
Don-Kee fora abandonado quando ainda era filhote de peito e Vermuhakhan o encontrara em uns arbustos do jardim da praça central da cidade. Solteiro e sem herdeiros, além de comovido com o fato de um ser tão pequeno ter sido abandonado, tomou-o para si e criou-o como filho. Na época, Vermuakhan finalizava o treinamento de Tuttan e já era o Escolhido de sua aldeia, portanto desde que conseguia se lembrar, Don-Kee sempre fora o filho do Líder da tribo. Fora criado sem mãe, mas Zenthalla, a velha ama de Vermuhakhan, também cuidou dele até que foi levada para o reino de Enmbarh, perto da época de Don-Kee atingir a maioridade.
Além dos cuidados do Líder, Don-Kee recebeu parte da sua educação de Tsuin-Hou, o supremo sacerdote da Ordem de Tuttan na tribo. Ambos, sacerdote e Líder, eram amigos de infância, quase como irmãos, e o carinho que Vermuhakhan tinha por Tsuin-Hou foi herdado por Don-Kee, que também o amava profundamente. E, embora ambos sempre insistissem para que Don-Kee completasse o treinamento de Tuttan, o jovem recebera o grau máximo apenas na parte física, deixando a parte interior apenas iniciada. Isso não significava que Don-Kee fosse curto de inteligência, muito pelo contrário - destacava-se muito por ser astuto, possuir uma memória bastante boa e por ter um raciocínio ágil - mas ele se interessava muito mais por estudar táticas militares e história da tribo do que as antigas letras, costumes e tradições gorilas e, devido a não dar importância à concentração, nunca aprendeu a limpar o espírito através das técnicas tradicionais de meditação. Também não era muito versado nas tradições da Ordem de Tuttan, embora reverenciasse o deus criador de todas as coisas e seguisse os costumes religiosos.
Chegando à praça central, Don-Kee viu que as velhas fêmeas da cidade continuavam sua vigília diante da casa do Líder. Desde que o estado da saúde de Vermuhakhan piorara, elas alternavam-se em velada incessante, pedindo a Tuttan que salvasse o velho Líder. Ao verem que Don-Kee se aproximava, foram ao encontro dele e o saudaram. Don-Kee comprimentou-as de modo geral, demonstrando respeito e apreço por elas, porém não demorou a despedir-se e bater à porta da casa do Líder, onde um guarda abriu-lhe passagem, dizendo que era aguardado.
A casa não era ostensiva, porém grande e espaçosa. Tinha um jardim no meio dela e no centro deste ficavam os aposentos do Líder. Conhecendo os hábitos de seu pai, Don-Kee bateu à porta e esperou. Tsuin-Hou veio abri-la e o abraçou:
- Don-Kee, meu filho, abençoado seja! Como está você? Vejo que goza de boa saúde! Venha, entre. Seu pai o aguarda.
Foram os dois ao pé do leito de Vermuhakhan. O velho gorila realmente aparentava a a idade avançada que tinha, porém ainda demonstrava vigor e a musculatura que desenvolvera na juventude ainda não havia murchado completamente. Estava deitado, de olhos fechados, mas ergueu a cabeça e sorriu ao ver entrar o filho:
- Meu filho, seja bem vindo de volta ao lar! Muito me agrada que tenha conseguido chegar antes que o Macaco Negro de Enmbarh viesse buscar a minha alma.
- Não diga isso, meu Líder! - respondeu Don-Kee - O senhor está apenas indisposto e a idade lhe é avançada, mas muitos anos ainda virão para que nos governe e...
- Não diga tolices, Don-Kee - interrompeu Vermuhakhan. - Se há uma coisa que todos os animais sabem é quando sua hora se aproxima. Já vivi muitos anos e desempenhei meu papel. Além disso, você já foi tocado por Tuttan e ambos sabemos o que isso significa.
- Que sua hora está chegando, pois não há possibilidade de haverem dois líderes ao mesmo tempo - completou Don-Kee. - Eu sei disso, meu pai, porém não tenho a certeza de ser o Escolhido.
- Ora, os sinais falam por si só - disse Tsuin-Hou. - Você foi iluminado pelo deus sol e manifestou isso claramente! Não lute contra sua vocação, meu jovem. Você é o próximo Líder da tribo dos gorilas.
E era verdade. Don-Kee sentia essa certeza crescendo a cada dia. Por isso, calou-se e assentiu. Vermuhakhan retomou a palavra:
- Este é o motivo de eu ter mandado lhe chamar. É hora de você partir para o isolamento.
- Mas isso não pode ser, meu pai! - respondeu Don-Kee, exaltado. - O isolamento do futuro Líder só se inicia quando, bem... Quando...
- Quando o Líder anterior parte para os domínios de Enmbarh, sei muito bem. - respondeu Vermuhakhan. - É o que dizem as antigas leis. - Olhou para Tsuin-Hou, que assentiu gravemente e continuou: - Mas as leis também dizem que é no isolamento que um Líder recebe a luz e a dádiva de Tuttan para governar seu povo. E governar significa, muitas vezes, dar ordens. É isso que estou fazendo agora, meu filho, ordenando que você parta amanhã para seu período de isolamento, afim de receber as mesmas dádivas que recebi na sua idade.
Don-Kee parecia incrédulo. Olhou de Vermuhakhan para Tsuin-Hou, que mantinha os olhos baixos, esperando que o supremo sacerdote contradissesse seu pai, mas isso não aconteceu. Mantiveram-se em silêncio por um momento, até que Tsuin-Hou olhou para Don-Kee e disse, com a voz serena:
- Meu filho, seu pai me comunicou este desejo há alguns dias e seu intuito em ordenar-lhe isso é bastante justificável. Estamos em guerra, a situação nas fronteiras é bastante delicada e perdemos território a cada dia. Não podemos nos dar ao luxo de ficarmos sem Líder por um mês. Sabe Tuttan o que aconteceria durante este tempo.
- Mas eu não entendo como isso está certo - disse Don-Kee a Vermuhakhan. - O que aconteceria se, ao regressar, estivéssemos os dois entre os gorilas? Não pode haver dois Líderes! - enfatizou.
- Don-Kee, tenho certeza de que isso não acontecerá - respondeu seu pai. - Confie nos anos de experiência que tenho e na certeza que todos alcançam à beira da morte. E é essa mesma certeza que me alerta da urgência de procedermos assim. Não possuo o dom de prever o futuro como alguns anciãos, porém me é muito vivo no coração que o seu papel não será de extrema importância apenas entre os de sua raça, mas sim para todos os macacos da floresta de Tutenbarh.
- Seu pai está certo - disse Tsuin-Hou. - Não duvide da graça que ele recebeu de Tuttan para comandar. Não duvide da graça que você mesmo receberá em breve.
Don-Kee encarava o chão, com as ideias trabalhando furiosamente. Parecia enfrentar o dilema e não chegar a conclusão alguma. Compreendera muito bem o argumento deles e concordava com tudo o que fora dito, porém algo lá dentro, bem no fundo, lhe dizia que isso tudo não estava certo. Não podia estar. Passou algum tempo em silêncio. Vermuhakhan e Tsuin-Hou trocaram alguns olhares significativos, porém ambos não ousaram interromper os pensamentos do jovem. De repente, a expressão de Don-Kee se desanuviou. O Líder e o sacerdote olhavam para ele. O jovem ergueu os olhos e disse:
- Que assim seja. Antes de mais nada, devo obediência tripla nessa situação: ao supremo sacerdote, ao Líder e à meu pai. Partirei quando me ordenarem.
Os dois velhos gorilas sorriram paternalmente. Tsuin-Hou colocou a mão sobre o ombro de Don-Kee e disse o quanto ficava feliz por ele ter compreendido a grandeza da situação. Seu pai, ainda sorrindo, tomou-lhe a mão e o toque transmitiu ao filho o quanto se orgulhava dele:
- Meu filho, você realmente é o escolhido. Sua noção do dever é bastante profunda e isso é visível na obediência que demonstrou. Se existia alguma dúvida de que você é realmente o escolhido, esta dissipou-se diante de mais essa prova concreta.
- Espero que sim, meu Líder - respondeu Don-Kee.
- Agora vá ver sua fêmea e seu filhote, pois há muitos dias que você partiu. - disse Vermuhakhan. - Amanhã, ao alvorecer, venha me ver novamente, para receber minha bênção e nos despedirmos.
Com um aperto no coração, Don-Kee fez uma curta reverência aos dois e deixou o quarto. Ao sair, viu que anoitecia e dirigiu-se rapidamente para casa, envolto em pensamentos.
Shigg o esperava à porta. A notícia de que Don-Kee havia regressado fora-lhe dada quase que imediatamente após a sua entrada na cidade. Ela então preparou-lhe um banho e uma refeição quente, pôs o filhote para dormir e foi esperar seu macho à porta. Sentia muitas saudades e ansiava por vê-lo. Quando percebeu que ele entrava pelo jardim da frente, adiantou-se e correu a seu encontro, pulando em seu pescoço e beijando-lhe as faces, num abraço apertado:
- Don-Kee, meu Don-Kee! Como estou feliz!
O macho sorriu e a colocou no chão, acariciando seus longos cabelos negros. Beijou-lhe e disse:
- É bom estar em casa, é bom voltar para você! Onde está Man-Kee? Esperava vê-lo acordado!
- O pequeno se envolveu numa briga hoje, ao término de suas lições - ela respondeu. - Como castigo, foi dormir sem jantar e mais cedo. Não sabia quando você retornaria, senão teria lhe dado uma punição mais leve, para que pudesse vê-lo ainda hoje! Mas teremos outros dias, para que possa matar as saudades de seu filhote, não é? - perguntou, apreensiva.
- Infelizmente não - suspirou Don-Kee. - Devo partir novamente ao amanhecer.
- Mas com que intuito Vermuhakhan o convoca e o manda partir em tão pouco tempo? - indignou-se Shigg.
- Vamos entrar que te conto tudo. - respondeu o gorila.
Pessoal, quero opiniões sobre o texto, hein? Toda crítica construtiva será muito bem-vinda!